sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Bom Natal!...


Fez ontem vinte anos, três dias antes do Natal, terminava eu os primeiros Exercícios Espirituais que fiz, poucos meses antes de partir com os Leigos para o Desenvolvimento para Angola. Foram
orientados pelo P.Vasco Pinto Magalhães, 
em Albergaria-a-Velha. Lembro-me que fazia mesmo muito frio nessa altura.

A fazer Exercícios nesse mesmo grupo estavam também o Miguel Gonçalves Ferreira, Álvaro Balsas (que no ano seguinte viriam ambos a entrar na Companhia de Jesus),
Jó Líbano Monteiro e Filipa, Sofia Sá Lima, e outras pessoas.

Foram dias muito importantes para mim, e que acabaram mesmo por vir a revelar-se determinantes para a minha vida. O i
nício da descoberta da espiritualidade inaciana e o começar de uma caminhada de “conhecimento interno do Senhor Jesus  que por mim Se fez homem, para usar as palavras de Sto.Inácio.

Bem grandes foram as surpresas com que me deparei nessa altura. Ainda hoje trago comigo bem vivos momentos, imagens, descobertas que surgiram ao longo daqueles sete dias. Dou graças a Deus por esses dias tão importantes e tão marcantes. E mais ainda pela incontável lista de coisas que vieram em seguida - até hoje!...

Neste momento concreto dou graças a Deus por poder estar onde estou agora: pelo projecto em que estou envolvido e pela proximidade com os refugiados. Em tempo de Natal não posso deixar de me recordar como esse mesmo Jesus teve também ele, logo em criança, de viver como refugiado em terra estrangeira. Tudo isso porém não parece ter tido força suficiente para lhe tirar o sorriso do rosto - algo que parece acontecer também com as pessoas daqui.


A todos desejo um Bom Natal e um óptimo Ano Novo!...


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Fotos

Uma das casas do JRS, esta acabada de construir em Janeiro de 2011

No pátio interior. Além de 4 quartos,
esta casa tem também a sala de jantar e a televisão
(e que é por isso apelidada por nós de "noisy house")

No jantar de despedida do P.Cris, entretanto já regressado à Austrália

Não comemos mesmo nada mal cá em casa...

A casa velha, também conhecida por "quiet house",
por contraposição à outra casa


Numa das missas de segunda-feira à tarde, no pátio interior da quiet house.
Tem seis quartos: o meu é o que se encontra por detrás de mim na foto

Bem perto de nossa casa, um contentor
que é também aproveitado para vista panorâmica






De cima do contentor pode ver-se a "lagga"
(que neste dia, como na quase totalidade dos dias, estava seca)

domingo, 13 de novembro de 2011

Pedro Arrupe

No dia 14 de Novembro de 1907 nascia o Padre Pedro Arrupe, vigésimo oitavo Superior Geral da Companhia de Jesus e fundador do JRS (Jesuit Refugee Service).

Publico hoje um documentário de quarenta minutos sobre a sua vida. Este documentário foi produzido pela
Georgetown University no centenário do seu nascimento.


(a imagem pode ser expandida por forma a ocupar a totalidade do écran,
carregando no botão que surge no canto inferior direito da imagem)
Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 1/6


Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 2/6
Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 3/6
Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 4/6
Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 5/6
Pedro Arrupe  Sua Vida e seu Legado: Parte 6/6


sábado, 22 de outubro de 2011

JC-HEM (Jesuit Commons - Higher Education at the Margins)

Apresento hoje a tradução de um artigo publicado por Petra Dankova e Clotilde Giner no número 38 da Forced Migration Review (Revista de Migrações Forçadas) de Outubro de 2011.

O artigo é uma boa descrição de um dos principais projectos em que estou agora envolvido em Kakuma. 

A Petra Dankova foi a minha antecessora no lugar que agora ocupo, tendo sido até Julho de 2011 a Assistant Project Director do JRS e coordenadora do programa JC-HEM no campo de Kakuma, no Quénia.

A Clotilde Giner é a Project Director do JRS e coordenadora do programa JC-HEM no campo de Dzaleka, no Malawi.


Tecnologia posta ao serviço de refugiados
que vivem em situações de isolamento.
  
por Petra Dankova e Clotilde Giner

A ausência de oportunidades de educação para refugiados, muitos dos quais têm de deixar as suas terras antes de poderem completar a sua formação, é hoje um problema amplamente reconhecido.

Tirando partido das novas tecnologias da informação e da evolução do acesso à Internet no continente africano, a iniciativa do Serviço Jesuíta aos Refugiados  Jesuit Commons – Higher Education at the Margins (JC-HEM) lançou em 2010 um programa piloto de educação de nível superior para refugiados, ligando professores universitários dos Estados Unidos com estudantes em campos de refugiados em Kakuma no Quénia e em Dzaleka no Malawi(1). O programa JC-HEM permite aos refugiados a possibilidade de obterem no final um diploma em Artes Liberais (Diploma in Liberal Studies). O ensino é administrado em língua inglesa, através da internet.

Em cada ano inscrevem-se cerca de 30 estudantes em cada um destes cursos online. O princípio é simples: equipas voluntárias de professores nos Estados Unidos dão formação aos estudantes, disponibilizando ajuda online para os estudos e classificando com notas os trabalhos e as provas prestadas pelos estudantes. O sistema americano de créditos permite contornar o problema do ‘permanentemente temporário’ enfrentado pelos refugiados nas suas vidas. Cada uma das cadeiras de oito semanas corresponde a créditos que poderão depois ser transferidos para outras universidades.


A Tecnologia

Cada um dos locais de ensino está equipado com uma sala de computadores com ligação à internet, assistidos por um responsável de IT local (que pertence à equipa) e um refugiado assistente de IT. Conseguir fazer que tudo funcione bem, sem cortes de energia devidos a problemas técnicos ou rupturas é um desafio diário. A aquisição inicial de equipamento informático tem também de incluir material suplementar de reserva, para ajudar a lidar com esta realidade.

Em Kakuma existe uma ligação regular à internet, fornecida através de um sistema WiMAX(2) por um fornecedor queniano local; esta opção revela-se mais barata do que a ligação por satélite, a qual era anteriormente a única ligação disponível em lugares remotos como este. O campo de refugiados de Kakuma está localizado numa área semi-desértica no noroeste do Quénia, a aproximadamente 95 Km sul da fronteira com o Sudão. As temperaturas oscilam entre os 30 e os 40 graus Celsius e as tempestades de areia são comuns. Para poder proteger o equipamento, as salas de computadores precisam de dispor de janelas de vidro (algo não muito comum no contexto local) e também de ar condicionado, por forma a manter uma temperatura moderada na sala de computadores e na sala do servidor.

Em Dzaleka foi instalado um sistema de painéis solares que proporciona um fornecimento constante e renovável de energia. Infelizmente, porém, este sistema foi danificado por uma sobrecarga de tensão. Não dispondo localmente de peritos em energia solar, o material danificado teve de ser enviado para a África do Sul, para ser reparado, e o programa ficou sem uma fonte regular de energia durante mais de dois meses.

Organizações eventualmente interessadas em montar um programa semelhante não devem ignorar o investimento inicial que é preciso fazer para se poder lançar uma iniciativa de ensino através da internet. Computadores modernos e edifícios seguros, um fornecimento estável de electricidade e uma ligação rápida à internet são requisitos essenciais, sendo também necessária dispor de especialistas técnicos no terreno.

“Isto lembra-me sempre de que eu ainda estou no campo, onde as coisas não podem mudar de um dia para o outro”. Maurice, estudante de 35 anos da R.D. Congo, em Dzaleka.

Em Dzaleka, um pequeno internet-café com 12 computadores é o único local onde, supostamente, são  satisfeitas as necessidades de ligação à internet de mais de 14.000 refugiados. Alguns deles têm a sorte de ter um telemóvel com acesso à internet. Utilizar um telemóvel é, porém, muito caro. E, por outro lado, a rede também é lenta e muitas vezes não está disponível.

“A falta de acesso à internet deixou os refugiados encerrados na era do neolítico, enquanto o resto do mundo vive na era da internet”. Paul, estudante de 45 anos do Ruanda, em Dzaleka.

As leituras requeridas, bem como as lições gravadas em vídeo, são descarregadas num servidor local, nas horas em que a internet tem menor uso, sobretudo à noite. Os estudantes podem também fazer pesquisas na internet ou utilizar a biblioteca online da Universidade de Regis nos Estados Unidos, e comunicar com os seus professores. Por não haver horários de aulas, e por se poder aceder a materiais escolares sempre que for preciso, os estudantes têm uma maior flexibilidade e estão assim mais aptos para conseguir compatibilizar as suas responsabilidade académicas com trabalho voluntário no campo, com os seus deveres familiares e com o esforço – tantas vezes esgotante – que o dia-a-dia da vida de um campo de refugiados requer.


O Ensino

Antes de se ter inscrito no curso online, a maioria dos estudantes do programa tinha raramente usado computadores ou internet. Apesar de no início do programa ser oferecido um ‘bridge course’, concebido para oferecer aos estudantes conhecimentos básicos no uso de computadores, bem como aperfeiçoar o seu inglês e as suas capacidades académicas de escrita, a aprendizagem dos estudantes ao longo do curso foi bastante intensa. Os estudantes tiveram de se familiarizar com interfaces online; as suas dificuldades evidenciaram a necessidade de terem um tutor que os possa apoiar no local. As experiências até agora têm mostrado a importância de se procurar desenvolver boas capacidades no uso dos computadores, antes de se lançar na aprendizagem de alguma outra matéria.

“Ao princípio tive dificuldade em utilizar [estes programas]. Não sabia onde é que podia encontrar os comentários dos professores aos meus trabalhos, onde é que podia escrever um email, ou para onde é que devia enviar o meu trabalho. Para esse tipo de coisas era preciso eu ter alguém ao meu lado para me mostrar onde é que eu tinha de clicar”. Jean-Marc, estudantes de 23 anos de idade da R.D.Congo, em Dzaleka.

Antes de terem aderido ao programa, a única experiência de ensino que os estudantes JC-HEM tinham tido tinha sido uma experiência de tipo presencial. Os estudantes recém-chegados estavam um pouco preocupados em saber se esta seria uma formação ‘a sério’ e como é que seria possível construir relações sem interacção física directa. Surpreendentemente, após os primeiros meses de ensino, as avaliações indicaram que, até agora, uma das características mais valorizadas desta experiência tem sido a capacidade de se construírem relações online, tanto com professores, como com outros estudantes.

“Estou surpreendido por sentir que conheço algumas destas pessoas da internet melhor do que os meus vizinhos na comunidade”. Yusuf, 24 anos, estudante somali em Kakuma.

Todos os estudantes elogiam os seus instrutores online por “fazerem um verdadeiro esforço para compreender as dificuldades que os estudantes possam experimentar nos seus trabalhos”. Da experiência tida com o primeiro grupo de estudantes, parece que o intercâmbio de informação, as fotografias e os vídeos são algo de importante para ajudar tanto estudantes como professores a compreender melhor o contexto uns dos outros.

Após terem sido feitas as primeiras cadeiras, tornou-se óbvio que não são apenas os estudantes que beneficiam. Alguns dos professores constataram que o facto de darem aulas a refugiados alterou o seu modo de ver alguns textos e alguns temas, e desafiou-os a adaptarem o currículo às experiências particulares e aos interesses de aprendizagem dos estudantes refugiados, cujas experiências de vida são muito diferentes das dos estudantes típicos dos Estados Unidos que se inscrevem nestes cursos online. Os professores referiram que estas experiências irão também influenciar o modo como eles ensinam os estudantes dos Estados Unidos.


Programas Futuros

Os estudantes em Dzaleka viram a sua auto-estima e os seus níveis de energia crescerem, defendendo também que “o uso da internet fez crescer o nosso estatuto no contexto dos refugiados” (Joel, 40 anos, ruandês, estudante em Dzaleka). Uma dimensão transversal a todo o programa JC-HEM é o objectivo de utilizar a formação em benefício não apenas dos estudantes mas também das suas comunidades. Tal como nos explica o Vincent, estudante congolês de 31 anos de idade em Dzaleka, “Esta formação é uma grande oportunidade para mim para poder ajudar e prestar assistência a várias pessoas de diferentes comunidades”. Os responsáveis dos programas estão neste momento a pensar em modos de permitir aos estudantes poderem contribuir também com algum retorno para a comunidade, tal como com explicações a estudantes em escolas secundárias, ou ajudando estudantes de computadores a utilizarem a internet.

Programas de educação online têm como finalidade desenvolver capacidades de refugiados que, ao serem exilados, acabaram por ser colocados nas margens. É por isso crucial fazer com que as mulheres também possam participar plenamente em iniciativas de ensino online. Apenas duas estudantes num total de trinta em Dzaleka e sete num total de trinta e cinco em Kakuma actualmente inscritas no curso de três anos em Artes Liberais são mulheres. Os responsáveis tentarão fazer com que no próximo processo de admissão o número de mulheres possa aumentar; ter mais mulheres em programas de educação superior implica que tenha de haver serviços de creches para jovens mães, bem como organizar iniciativas que ajudem a tomar consciência sobre questões relativas a mulheres.

O uso da tecnologia para levar educação superior aos campos de refugiados não é algo que possa dar solução às prolongadas situações de refugiados. Mas é um meio útil de prestar assistência aos refugiados para que, apesar de exilados, estes possam continuar a sua formação e desenvolver o seu potencial humano. 


____________________

(1) Um programa semelhante para refugiados urbanos está a ser lançado em Aleppo, na Síria.

(2) WiMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access) é uma tecnologia de banda larga sem fios para acesso fixo e móvel à internet.


As citações de estudantes de Dzaleka são baseadas em textos que foram escritos por 27 estudantes do programa. Os nomes dos estudantes foram alterados.


domingo, 2 de outubro de 2011

Video sobre o JRS


Há já algum tempo que não publico aqui notícias neste blog. De facto as ocupações não têm sido poucas, durante a semana com o Arrupe Centre e aos fins de semanas com os grupos cristãos.


Hoje publico um vídeo que explica um pouco a origem e missão do JRS. É um vídeo que tinha traduzido já há uns meses atrás, mas que ainda não tinha publicado aqui neste blog.



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sábado, 20 de agosto de 2011

Nova Missão do JRS para Refugiados da Somália


Publico hoje uma entrevista ao Pe. Frido Pflueger SJ, Director do JRS para a África Oriental. O Pe. Frido acabou de regressar de uma visita aos campos de refugiados de Dollo Ado, no sudeste da Etiópia. A entrevista foi concedida ao gabinete de comunicação do JRS no dia 16 de Agosto de 2011, em Nairobi (original em inglês).


Pe. Frido, acabou de regressar de uma visita de quatro dias aos campos de refugiados de Dollo Ado. Pode-nos descrever um pouco a situação?

É uma situação difícil. Existem neste momento quatro campos na região de Dollo Ado que foram construídos sucessivamente. Os primeiros dois campos, Bokolmayo e Melkadida, foram construídos em 2009 e 2010 respectivamente, por isso estão um pouco mais desenvolvidos. Cada um destes dois campos alberga cerca de 40.000 refugiados. O terceiro campo, Kobe, foi construído há poucos meses e o quarto, Helawen, acabou de abrir no dia 4 de Agosto. Estima-se que cerca de 7.000 refugiados estejam neste momento a viver nesse campo.

A zona onde os campos se encontram é completamente seca e com aspecto de um deserto. Felizmente o rio Genale tem suficiente água a correr, que é tratada e transportada em camiões para os quatro campos.

Quando visitámos o centro de trânsito, na passada terça-feira, este contava ainda com mais de 12.000 refugiados. Estes refugiados têm estado acampados nesse centro ao longo de várias semanas e estão agora a ser transferidos para Helawen. O centro de trânsito irá em breve ficar vazio, pois o número de refugiados que chega em cada dia tem baixado consideravelmente: de cerca de 1.700 em Junho para 100-140 em Agosto.

Disseram-nos que os somalis enviam os anciãos para avaliar a situação no Quénia e na Etiópia e que estes chegaram à conclusão que a situação nos campos do Quénia seria melhor do que nos da Etiópia. Por isso terão aconselhado as pessoas a irem para Dadaab [no nordeste do Quénia], o que causa um grande problema para Dadaab.

Existem neste momento quase 120.000 refugiados na área de Dollo Ado. Aquilo que mais me impressionou, e que é mesmo triste e perturbador, é o enorme número de crianças em cada campo. Mais de 80% da população dos refugiados são crianças, com menos de 18 anos.

Há crianças por todo o lado! E que não têm nada para fazer. A impressão que tive é que a situação pior é em Helawen. Por o campo ter sido aberto apenas na passada sexta-feira, não existe qualquer tipo de infra-estruturas. Existem tendas alinhadas e um grande número de crianças em cada tenda. É uma zona rochosa, com alguns arbustos de espinhos, não existe sombra e não existem espaços onde elas possam brincar. É tão triste ver uma situação como estas.

E aquilo que eu achei mais espantoso foi que quando as saudamos, elas sorriem amigavelmente, e olham para nós com os olhos muito abertos. Muitas delas precisam de tratamento especial, pois estão malnutridas. Algumas ONGs estão já a trabalhar bastante para poder alimentar estas crianças, em particular as mais gravemente malnutridas. É uma situação incrível, muito difícil de descrever.

O JRS tem de actuar muito depressa, porque a nossa obrigação é de ajudar os mais pobres de entre os pobres. E foi esses que eu encontrei nestes campos.


Depois de ter testemunhado a situação no terreno, tem uma ideia mais concreta de qual poderá ser o trabalho do JRS?

Uma vez que nestes campos existe um número tão elevado de crianças com menos de 18 anos, penso que o melhor modo de criar um ambiente útil para elas é construindo escolas. Quando as crianças estão na escola, têm já algo para fazer que faz sentido para as suas vidas, e estão seguras. Também lhes dá uma perspectiva para o seu futuro.

A minha impressão é que os somalis irão ficar por estes campos durante um longo tempo, se a situação na Somália não mudar. E provavelmente não irá melhorar nos próximos tempos. Por isso faz sentido que nós procuremos proporcionar-lhes possibilidade de educação.

Uma vez que a educação primária é gerida pela ARRA [a administração do governo da Etiópia para assuntos relativos a refugiados e retornados], o JRS deverá proporcionar educação secundária num dos campos mais antigos – em Bokolmayo ou em Melkadida – onde o número das crianças é também muito grande. E deveríamos começar logo que possível.

Tirando Dollo Ado, não existem escolas de ensino secundário nas proximidades dos campos. Bokolmayo e Melkadida estão a cerca de 100 e 65 km de distância de Dollo Ado, respectivamente.

Para poder ajudar a juventude, deveríamos também começar a proporcionar outro tipo de actividades na área do apoio psico-social, tal como actividades de desporto, teatro, drama, para que, ao longo do dia, elas possam ter algo de significativo para fazer.

E depois devíamos montar um sistema de counselling, por forma a treinar os refugiados como acompanhantes, cujo alcance se estenderá progressivamente pelas diferentes comunidades no campo. Com toda a violência que estas pessoas experienciaram, é muito importante que elas possam ter este tipo de apoio.

A ARRA tem já a funcionar uma escola primária para os cinco primeiros anos, com mais de 1600 estudantes, no campo de Bokolmayo. Cerca de 50 estudantes que terminaram o quinto ano estão a frequentar a escola primária local, do sexto ao oitavo ano. Mas depois disso não existe qualquer perspectiva.

Se o JRS montasse uma escola secundária, aceitaríamos também estudantes da comunidade local, o que é sempre uma grande vantagem pois ajuda a melhorar as relações entre refugiados e a comunidade local. E dá a possibilidade a ambos os lados de se conhecerem mutuamente.

Refugiados e estudantes nativos poderão então falar uns com os outros; os refugiados usam diferentes dialectos da língua somali mas, de qualquer dos modos, a educação secundária será em inglês.

Iremos também considerar a possibilidade de construir residências para estudantes do campo de Melkadida, que fica a cerca de 30 km de distância. A escola primária está ainda em construção, mas disseram-nos que há estudantes no campo que já terminaram a sua educação primária na Somália. Logo que tenhamos uma avaliação em maior profundidade da situação, saberemos mais.

Eventualmente poderemos também ajudar a ARRA a construir mais escolas primárias nos outros dois campos, Kobe e Helawen, porque existe um grande número de crianças e não há nenhuma escola.


Quais são os próximos passos que o JRS irá dar para começar a trabalhar lá e qual o calendário em que está a pensar?

Nas próximas duas semanas temos de enviar uma equipa que irá fazer uma avaliação mais profunda da situação e começar a preparar alguns dos edifícios e algumas actividades.

Precisamos de recrutar uma boa equipa,porque o ambiente é muito duro de se viver, já que praticamente não existe qualquer tipo de infra-estruturas ou instalações montadas. A equipa terá de dormir em tendas e irá viver em condições muito simples.

O passo seguinte seria começar a construção da escola secundária e, talvez ao mesmo tempo, um recinto para os escritórios do JRS, sempre na condição de que disponhamos de fundos suficientes. O mais importante, no entanto, é o edifício da escola secundária, pois este poderá ter várias utilizações.

Uma vez que estejamos presentes e tenhamos uma instituição no terrenos, será mais fácil de responder a outras necessidades das quais podemos nem estar conscientes agora.

O ano académico na Etiópia começa em Setembro, o que poderá colocar algumas dificuldades porque não será possível começar as nossas actividades em Setembro. Mas estou convencido de que poderemos encontrar uma solução, tal como começar com aulas preparatórias de inglês, actividades sociais, ou um primeiro ano escolar mais compacto.


Quando pensa nestes últimos quatro dias, há algo que queira partilhar connosco que o tenha tocado particularmente?

Foi uma das piores coisas que vi na minha vida: todas estas crianças no deserto, no calor e no meio da poeira, nas rochas, por entre arbustos de espinhos, a espreitar para fora das tendas, a sorrir para nós, sem terem nada para fazer. Os campos são como pequenas cidades, pequenas cidades cheias de crianças.

Existe comida e alguma água, mas não há muito mais. Há muito vento naquela região e, quando o vento é forte, levanta-se a areia e não se consegue ver mais do que 10 metros adiante. E estas pessoas vivem neste lugar.

Há poucos homens nos campos, a maior parte das famílias apenas têm mães . Os homens ou estão mortos ou desaparecidos, ou então ficaram na Somália a tomar conta do gado, ou foram recrutados pela al-Shabaab, ou não os deixaram sair o País.

Às mulheres e às crianças foi-lhes permitido deixar o País. Mas é muito duro ver todos estes milhares e milhares de crianças sem nada para fazer.

Por isso temos de começar a fazer alguma coisa. É a nossa obrigação moral. Não podemos ignorar esta situação. E penso que o plano que temos agora é já um bom ponto de partida.


* * *

Se quiser pode fazer uma doação ou consultar o website do JRS
para ver fotografias ou mais informação.

O JRS agradece todo o apoio que tem já sido dado.


domingo, 7 de agosto de 2011

Em Nairobi


Encontro de Jesuítas e Ordenação Sacerdotal

Estive nesta semana que passou em Nairobi, num encontro desta Província de padres Jesuítas que não fizeram ainda a terceira provação. Aproveitei a minha estadia em Nairobi para participar na ordenação de um Jesuíta queniano, que teve lugar no dia 31 de Julho, dia de Santo Inácio de Loyola, numa paróquia que os Jesuítas têm num bairro pobre de Nairobi. A Igreja, apesar de ser muito grande, estava completamente cheia. Muitas dezenas de Jesuítas concelebraram. Foi uma missa muito bonita, com muitos cânticos e danças, e com muitas dezenas de dançarinos vestidos a rigor, todos bem sincronizados a dançar ao ritmo das músicas que eram cantadas por um numeroso côro. Onde o meu olhar se fixou muitas vezes foi no grupo das crianças dançarinas: talvez umas vinte ou trinta que, apesar de não terem mais do que uns 7 ou 8 anos de idade, dançavam também, ao ritmo das músicas, a mesma coreografia que os adultos . A missa foi portanto muito participada... e também muito celebrada: mais de quatro horas! Mas com uma liturgia tão bonita e tão bem preparada como esta, a verdade é que não se dá pelo tempo a passar.


Refugiados da Somália

Tal como têm vindo a ser referido um pouco por todo o mundo pelos meios de comunicação social , devido à seca e à fome a situação na Somália está a ser neste momento extremamente difícil, ou mesmo trágica, para muitas centenas de milhares de pessoas. A maior parte dos somalis que têm procurado refúgio fora do seu País tem-se dirigido para a Etiópia ou para Dadaab, no leste do Quénia. Devido ao evoluir desta situação, o JRS está agora a preparar-se para abrir uma nova missão na Etiópia, perto da fronteira deste País com a Somália.
Aqui no campo de Kakuma, que fica mais na parte noroeste do Quénia, mais próximo da fronteira com o Uganda e com o Sul do Sudão, não temos nos últimos tempos recebido muitos dos refugiados da Somália, ou pelo menos não directamente. De facto, devido ao número de pessoas no campo de Dadaab ser já muito superior àquele para o qual o campofoi concebido, alguns dos somalis que chegam a Dadaab acabam depois por ser enviados para Kakuma. Pelo que oiço dizer, uma média de mil novos refugiados têm chegado em cada dia a Dadaab. Esse campo conta por isso já com mais de 440.000 pessoas (!).
Entretanto, aqui em Kakuma, o número total de refugiados é bem menor: cerca de 80.000 neste momento. O grupo nacional mais numeroso em Kakuma é também já oriundo da Somália: cerca de 43.000 pessoas que abandonaram nos últimos anos o seu País de origem devido à violência e à interminável guerra civil, que dura há já mais de vinte anos. O segundo maior grupo de refugiados de Kakuma, com umas 24.000 pessoas, é oriundo do Sul do Sudão.


Novas Responsabilidades

Entretanto, em Kakuma passei recentemente a assumir novas responsabilidades no JRS: desde o início de Agosto passei a ser o coordenador do JC-HEM, um projecto de ensino superior à distância (Jesuit Commons - Higher Education at the Margins: cfr. descrição na notícia publicada neste blog a 9 de Maio). Passei também a ser responsável pelo Arrupe Education Centre em Kakuma, supervisionando os vários projectos de educação que o JRS tem em execução, e também a ser Adjunto do Project Director do JRS Kakuma.


Mwangaza Spirituality Centre

Durante a minha estadia em Nairobi, fiquei hospedado no Mwangaza Spirituality Centre: uma casa de retiros dos Jesuítas desta Província da África Oriental. Durante o tempo em que lá estive, encontrava-se na mesma casa um grande grupo de pessoas a fazer os Exercícios Espirituais de Sto.Inácio. A casa fica nos arredores de Nairobi (cfr. maps.google.com em vista de satélite, introduzindo as coordenadas -1.365528, 36.721485), numa zona que é hoje conhecida por Karen. O nome "Karen" vem de uma anterior proprietária destas terras – Karen Blixen – que foi representada por Meryl Sreep no filme Out of Africa (África Minha), um filme inspirado numa obra sua com o mesmo nome. Um outro filme dos anos oitenta – A Festa de Babette – é também baseado num outro livro da mesma autora. A propriedade que pertencia a Karen Blixen era muito grande e, após ter sido vendida, foi desmembrada em múltiplas partes. O terreno no qual agora se encontra a casa de retiros de Mwangaza é então uma pequena parcela dessa propriedade inicial.
Aproveitei os dias em Mwangaza também para descansar e rezar um pouco, desfrutando a tranquilidade e do muito verde que existe neste lugar. Um dos Jesuítas que mora nessa casa disse-me que não há muito tempo, antes da cerca ter sido construída, apareciam por vezes na propriedade algumas girafas vindas do Giraffe Centre, que fica bem perto de lá.
Um outro Jesuíta que também mora na mesma comunidade, norte-americano de origem mas a viver no Quénia há muitos anos, construiu no meio propriedade um mini-observatório astronómico: uma pequena casa com um tecto  amovível, artesanalmente construído por ele. Depois de aberto o tecto, pode dali observar-se o céu graças a um excelente telescópio que esse Jesuíta aí instalou. Numa das noites em que eu me encontrava em Mwangaza, ele convidou  um grupo de Jesuítas que lá se encontrava a observar o céu: as crateras da Lua, os anéis de Saturno e conjuntos de estrelas visíveis do hemisfério sul (Kakuma fica a norte do equador, mas Nairobi pertence já no hemisfério sul; cada vez que venho a Nairobi cruzo portanto o equador). Em seguida apresento algumas fotografias que tirei.


No Mwangaza Spirituality Centre.

A casa construída pela anterior proprietária deste terreno
(uma inglesa que deixou o Quénia nos anos 70)
é hoje a casa principal do Centro.

A vegetação e cores daqui
são bem diferentes da paisagem de Kakuma.
Numa visita ao Giraffe Centre que referi:
as girafas vêm comer à nossa mão.


sábado, 9 de julho de 2011

Documentário sobre os Meninos Perdidos

No dia em que o Sul do Sudão alcança a sua independência, apresento aqui um filme que se encontra no youtube: "God Grew Tired of Us"Trata-se de um documentário que ajuda a conhecer um pouco a história dos meninos perdidos do Sudão.


Em 1987, um enorme número de crianças e rapazes do Sul do Sudão foi obrigado a abandonar as suas terras, fugindo do exército do norte que tinha decidido erradicar ou exterminar do Sudão todas as crianças cristãs negras do sexo masculino.


Depois de terem percorrido mais de 1.500 quilómetros a pé, acabariam por encontrar finalmente abrigo em Kakuma, no norte do Quénia. Dos mais de 27.000 meninos que partiram, porém, menos de metade conseguiu chegar a este campo de refugiados.


Este documentário acompanha então a experiência de três desses meninos que, depois terem crescido e passado alguns anos em Kakuma, conseguiram finalmente que um País - os Estados Unidos - os acolhesse como residentes legais. O documentário foi vencedor de dois prémios no Festival de Sundance, e tem a narração de Nicole Kidman.


Apresento em primeiro lugar o Trailer e, nos links mais abaixo, as seis partes que compoem o documentário (15 minutos cada uma, numa duração total de 90 minutos). Na Parte 1 é relatada  brevemente a história dos eventos que tiveram lugar no final dos anos oitenta.


(a imagem pode ser expandida por forma a ocupar a totalidade do écran,
carregando no botão do canto inferior direito do filme)


Documentário completo "God Grew Tired of Us" (2006) em inglês:
Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=c-JrOXwGWzM
Parte 6:  http://www.youtube.com/watch?v=LF8N6CdfaNQ

domingo, 26 de junho de 2011

Mais Fotos

Hoje publico aqui mais algumas fotografias do local onde me encontro.
Começo pelo "Arrupe Education Center":
A Sala de Computadores 2, a ser inaugurada em breve:
terá lugar para 40 alunos.

Interior da Sala de Computadores 1 inaugurada
no ano passado: tem lugar para 20 alunos.

Aspecto exterior da Sala de Computadores 1
(à esquerda) e de um dos escritórios (à direita).

Solução adoptada: Multipoint Stations. A cada uma delas
são ligados 4 ou 5 terminais. Deste modo o consumo total
de energia é menor.

Outro bloco do Centro, recentemente inaugurado:
casas-de-banho, três escritórios e uma biblioteca.

A biblioteca a ser montada.

Aspecto da nossa sala de aulas no dia do exame
para selecção do segundo grupo de alunos JC-HEM.

Algumas das pessoas que trabalham no Arrupe Centre,
com uma colaboradora nossa de um outro projecto.

Dia de encontro com todos os colaboradores dos vários
projectos que o JRS tem em Kakuma (todos eles refugiados).

Já fora do campo: aspecto da paisagem nestas terras.

Os autênticos "arranha-céus" que as formigas
constroem nestas bandas, facilmente ultrapassando
os três metros. Construíndo em altura o ar circula
melhor dentro do formigueiro, permitindo assim
aliviar um pouco a temperatura.

Ao longo do caminho para Lodwar, a estrada cruza várias
"laggas": leitos de rios que estão quase sempre secos,
excepto nos poucos dias do ano em que chove. Para poder
resistir à força das águas, o asfalto é reforçado nestas zonas.
Uma vez que não há pontes, nos dias em que a água circula,
a passagem torna-se impossível e a estrada fica cortada.

Fotografia da lagga de Kakuma (esta sim tem uma ponte).
Tal como as outras, também esta está totalmente seca
a maior parte do tempo.

Fotografia tirada da mesma ponte: o Christian
mostrando a lagga após um dos raros dia de chuvas

Um grupo de mulheres turkanas, população originária destas terras.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Kakuma - As Primeiras Fotos



Daqui de cima, do monte Kalemchuch, vê-se lá ao fundo a povoação de Kakuma.
Mais à esquerda, e estendendo-se ao longo de cerca de 10km (não se vê nesta foto),
fica o Campo de Refugiados.

Ao longe, depois de ter descido, o monte não parece assim
tão alto (é a elevação que se vê por cima de mim, na foto).

Na entrada norte de Kakuma, ainda antes de cruzar o leito do rio.
À esquerda (não se vê na foto) fica a entrada do nosso “Compound”.

No sentido contrário da estrada estão indicadas as
próximas localidades mais importantes. Lokichogio,
quase na fronteira com o Sudão,
a 95km. E depois
de se atravessar a fronteira,
a 456km daqui, está a
cidade de Juba (que, em princípio
a partir de Julho,
será a capital da nova nação no Sul do Sudão).

À entrada do Compound: os logos das 9 ONGs que
trabalham neste momento
em Kakuma (há ainda
os Salesianos e as agências das Nações Unidas).
Na foto estou a apontar para o logo do JRS.

Numa das ruas do campo de refugiados, com a Ir.Margaret,
do JRS. Um pouco para minha surpresa, reparei quando aqui
cheguei que se consegue encontrar
um pouco de tudo
à venda pelas ruas do campo .

No Hotel Franco, no almoço de despedida do P.Chris, jesuíta australiano que após um ano com o JRS regressou na semana passada à Austrália ("Hotel", na terminologia destas bandas, significa Restaurante). Aqui vemos a equipa quase completa com quem trabalho no “Arrupe Education Center”.
Nos domingos, ao regressarmos da missa
- quase meio-dia e com muito calor -,
costumamos parar num café para tomar um copo.
Aqui estamos o Peter (leigo da Áustria),
o Christian (jesuíta da Alemanha) e eu.