Publico hoje uma entrevista ao Pe. Frido Pflueger SJ, Director do JRS para a África Oriental. O Pe. Frido acabou de regressar de uma visita aos campos de refugiados de Dollo Ado, no sudeste da Etiópia. A entrevista foi concedida ao gabinete de comunicação do JRS no dia 16 de Agosto de 2011, em Nairobi (original em inglês).
Pe. Frido, acabou de regressar de uma visita de
quatro dias aos campos de refugiados de Dollo Ado. Pode-nos descrever um pouco
a situação?
É uma situação
difícil. Existem neste momento quatro campos na região de Dollo Ado que foram construídos
sucessivamente. Os primeiros dois campos, Bokolmayo e Melkadida, foram construídos
em 2009 e 2010 respectivamente, por isso estão um pouco mais desenvolvidos.
Cada um destes dois campos alberga cerca de 40.000 refugiados. O terceiro campo,
Kobe, foi construído há poucos meses e o quarto, Helawen, acabou de abrir no
dia 4 de Agosto. Estima-se que cerca de 7.000 refugiados estejam neste momento a
viver nesse campo.
A zona onde os
campos se encontram é completamente seca e com aspecto de um deserto.
Felizmente o rio Genale tem suficiente água a correr, que é tratada e
transportada em camiões para os quatro campos.
Quando visitámos
o centro de trânsito, na passada terça-feira, este contava ainda com mais de
12.000 refugiados. Estes refugiados têm estado acampados nesse centro ao longo
de várias semanas e estão agora a ser transferidos para Helawen. O centro de
trânsito irá em breve ficar vazio, pois o número de refugiados que chega em cada dia tem baixado consideravelmente: de cerca de 1.700 em Junho para 100-140
em Agosto.
Disseram-nos que
os somalis enviam os anciãos para avaliar a situação no Quénia e na Etiópia e
que estes chegaram à conclusão que a situação nos campos do Quénia seria melhor
do que nos da Etiópia. Por isso terão aconselhado as pessoas a irem para Dadaab
[no nordeste do Quénia], o que causa um grande problema para Dadaab.
Existem neste
momento quase 120.000 refugiados na área de Dollo Ado. Aquilo que mais me
impressionou, e que é mesmo triste e perturbador, é o enorme número de crianças
em cada campo. Mais de 80% da população dos refugiados são crianças, com menos
de 18 anos.
Há crianças por
todo o lado! E que não têm nada para fazer. A impressão que tive é que a
situação pior é em Helawen. Por o campo ter sido aberto apenas na passada
sexta-feira, não existe qualquer tipo de infra-estruturas. Existem tendas alinhadas
e um grande número de crianças em cada tenda. É uma zona rochosa, com alguns
arbustos de espinhos, não existe sombra e não existem espaços onde elas possam
brincar. É tão triste ver uma situação como estas.
E aquilo que eu
achei mais espantoso foi que quando as saudamos, elas sorriem amigavelmente, e
olham para nós com os olhos muito abertos. Muitas delas precisam de tratamento especial,
pois estão malnutridas. Algumas ONGs estão já a trabalhar bastante para poder
alimentar estas crianças, em particular as mais gravemente malnutridas. É uma
situação incrível, muito difícil de descrever.
O JRS tem de actuar
muito depressa, porque a nossa obrigação é de ajudar os mais pobres de entre os
pobres. E foi esses que eu encontrei nestes campos.
Depois de ter testemunhado a situação no terreno,
tem uma ideia mais concreta de qual poderá ser o trabalho do JRS?
Uma vez que
nestes campos existe um número tão elevado de crianças com menos de 18 anos,
penso que o melhor modo de criar um ambiente útil para elas é construindo
escolas. Quando as crianças estão na escola, têm já algo para fazer que faz
sentido para as suas vidas, e estão seguras. Também lhes dá uma perspectiva
para o seu futuro.
A minha impressão
é que os somalis irão ficar por estes campos durante um longo tempo, se a
situação na Somália não mudar. E provavelmente não irá melhorar nos próximos
tempos. Por isso faz sentido que nós procuremos proporcionar-lhes possibilidade de educação.
Uma vez que a
educação primária é gerida pela ARRA [a administração do governo da Etiópia
para assuntos relativos a refugiados e retornados], o JRS deverá proporcionar
educação secundária num dos campos mais antigos – em Bokolmayo ou em Melkadida
– onde o número das crianças é também muito grande. E deveríamos começar logo
que possível.
Tirando Dollo
Ado, não existem escolas de ensino secundário nas proximidades dos campos.
Bokolmayo e Melkadida estão a cerca de 100 e 65 km de distância de Dollo Ado,
respectivamente.
Para poder ajudar
a juventude, deveríamos também começar a proporcionar outro tipo de actividades
na área do apoio psico-social, tal como actividades de desporto, teatro, drama,
para que, ao longo do dia, elas possam ter algo de significativo para fazer.
E depois devíamos
montar um sistema de counselling, por forma a treinar os refugiados como acompanhantes,
cujo alcance se estenderá progressivamente pelas diferentes comunidades no campo. Com
toda a violência que estas pessoas experienciaram, é muito importante que elas possam
ter este tipo de apoio.
A ARRA tem já a
funcionar uma escola primária para os cinco primeiros anos, com mais de 1600
estudantes, no campo de Bokolmayo. Cerca de 50 estudantes que terminaram o quinto
ano estão a frequentar a escola primária local, do sexto ao oitavo ano. Mas
depois disso não existe qualquer perspectiva.
Se o JRS montasse
uma escola secundária, aceitaríamos também estudantes da comunidade local, o
que é sempre uma grande vantagem pois ajuda a melhorar as relações entre
refugiados e a comunidade local. E dá a possibilidade a ambos os lados de se
conhecerem mutuamente.
Refugiados e
estudantes nativos poderão então falar uns com os outros; os refugiados usam diferentes
dialectos da língua somali mas, de qualquer dos modos, a educação secundária
será em inglês.
Iremos também
considerar a possibilidade de construir residências para estudantes do campo de
Melkadida, que fica a cerca de 30 km de distância. A escola primária está ainda
em construção, mas disseram-nos que há estudantes no campo que já terminaram a
sua educação primária na Somália. Logo que tenhamos uma avaliação em maior
profundidade da situação, saberemos mais.
Eventualmente
poderemos também ajudar a ARRA a construir mais escolas primárias nos outros
dois campos, Kobe e Helawen, porque existe um grande número de crianças e não
há nenhuma escola.
Quais são os próximos passos que o JRS irá dar
para começar a trabalhar lá e qual o calendário em que está a pensar?
Nas próximas duas
semanas temos de enviar uma equipa que irá fazer uma avaliação mais profunda da
situação e começar a preparar alguns dos edifícios e algumas actividades.
Precisamos de
recrutar uma boa equipa,porque o ambiente é muito duro de se viver, já que
praticamente não existe qualquer tipo de infra-estruturas ou instalações
montadas. A equipa terá de dormir em tendas e irá viver em condições muito
simples.
O passo seguinte
seria começar a construção da escola secundária e, talvez ao mesmo tempo, um
recinto para os escritórios do JRS, sempre na condição de que disponhamos de
fundos suficientes. O mais importante, no entanto, é o edifício da escola
secundária, pois este poderá ter várias utilizações.
Uma vez que
estejamos presentes e tenhamos uma instituição no terrenos, será mais fácil de
responder a outras necessidades das quais podemos nem estar conscientes agora.
O ano académico
na Etiópia começa em Setembro, o que poderá colocar algumas dificuldades porque
não será possível começar as nossas actividades em Setembro. Mas estou
convencido de que poderemos encontrar uma solução, tal como começar com aulas
preparatórias de inglês, actividades sociais, ou um primeiro ano escolar mais
compacto.
Quando pensa nestes últimos quatro dias, há algo
que queira partilhar connosco que o tenha tocado particularmente?
Foi uma das
piores coisas que vi na minha vida: todas estas crianças no deserto, no calor e
no meio da poeira, nas rochas, por entre arbustos de espinhos, a espreitar para
fora das tendas, a sorrir para nós, sem terem nada para fazer. Os campos são
como pequenas cidades, pequenas cidades cheias de crianças.
Existe comida e
alguma água, mas não há muito mais. Há muito vento naquela região e, quando o
vento é forte, levanta-se a areia e não se consegue ver mais do que 10 metros
adiante. E estas pessoas vivem neste lugar.
Há poucos homens
nos campos, a maior parte das famílias apenas têm mães . Os homens ou estão
mortos ou desaparecidos, ou então ficaram na Somália a tomar conta do gado, ou
foram recrutados pela al-Shabaab, ou não os deixaram sair o País.
Às mulheres e às
crianças foi-lhes permitido deixar o País. Mas é muito duro ver todos estes
milhares e milhares de crianças sem nada para fazer.
Por isso temos de
começar a fazer alguma coisa. É a nossa obrigação moral. Não podemos ignorar
esta situação. E penso que o plano que temos agora é já um bom ponto de
partida.
para ver fotografias ou
mais informação.
O JRS agradece todo o apoio que tem já sido dado.