domingo, 27 de fevereiro de 2011

Visita a Markunda

Markunda
Cheguei recentemente de Markunda, onde estive durante três dias. Fui com o Albert, o director nacional do JRS para a RCA (que é zimbabweano de origem, mas que curiosamente trabalhou também anteriormente em Angola, com o JRS). Markunda é uma pequena povoação no extremo norte da República Centro-Africana (RCA), mesmo junto à fronteira com o Chade. Fui a Markunda por aí se encontrar a única missão do JRS actualmente activa em toda a RCA (se excluirmos os escritórios em Bangui). Em Markunda trabalham no JRS uma comunidade de irmãs (da Congregação S.José de Turim), todas elas da República Democrática do Congo (RDC), e um padre diocesano local. Trata-se de uma equipa que já se encontrava no local, e que o JRS contactou para trabalhar nos programas JRS. Ao contrário do habitual em outros locais, nesta equipa não existe nenhum Jesuíta nem nenhum voluntário provindo de outros lugares. O trabalho desenvolvido dá apoio aos refugiados e deslocados internos na zona.

Construção de Escolas
De destacar as três escolas que foram já construídas aqui pelo JRS (em povoações onde as aulas tinham anteriormente lugar apenas debaixo de umas coberturas de capim). Está prevista a construção de vários outras escolas em outros lugares da região. Estas construções de escolas do JRS têm sido possíveis graças ao financiamento da Irish Aid, mas conta ao mesmo tempo sempre com a necessária colaboração das populações locais, quer para o fornecimento de areia e adobes (tijolos de barro), quer em termos do próprio trabalho de construção.
Estas escolas beneficiam de um programa do JRS de apoio de materiais escolares. Até há bem pouco tempo, beneficiavam ainda de um programa de alimentação para crianças: tendo a grande maioria destas crianças dificuldades diárias para conseguir uma refeição em casa (e menos ainda uma alimentação saudável), o JRS oferecia a cada criança na escola uma refeição – o que era uma excelente ajuda às crianças não só, desde logo, pelo alimento, mas também pelo incentivo a não desistirem de vir às aulas. Este programa de alimentação é apoiado pelo PAM (Programa Alimentar mundial, das Nações Unidas). Infelizmente este programa está pelo menos por agora suspenso, devido a falta de verbas no PAM.

Irmãs de S.José
Fiquei hospedado nuns quartos que o JRS tem lá, num anexo da casa das irmãs, em Markunda. Esta comunidade é composta por irmãs provenientes, todas elas, da RDC (antigo Zaire). Gostei de ver uma comunidade, composta já por vocações africanas, onde o cristianismo parece estar já bem enraizado, e ao mesmo tempo bem adaptado já à cultura local (por exemplo nos cânticos da missa, ou nos próprios hábitos usados pelas irmãs). Por outro lado, tendo deixado o seu País, também elas se tiveram de adaptar, aprendendo a língua local: o sango (isto apesar de todas falarem já anteriormente várias línguas: além do francês, lingala, kikongo e swahili). Além de se dedicarem a outros trabalhos, as irmãs dirigem também uma escola em Markunda. Disseram-me que aqui era frequente várias crianças terem de andar a pé diariamente dez ou mais quilómetros para chegar até à escola (ou seja, umas duas horas para ir para escola e mais duas horas para voltar para casa). Uma vez mais fiquei impressionado com o trabalho desenvolvido pela Igreja, em sítios perdidos, e dos quais praticamente ninguém nunca ouve falar. Se a situação de populações como esta é difícil, e se o seu desenvolvimento se perspectiva tão lento, bem mais difícil e ainda mais lento se tornaria se não tivesse irmãs como estas, a dedicarem-se aqui, discretamente e ao longo de décadas, a trabalhos como este.

ACF e MSF
De destacar também o trabalho recente levado a cabo na região por uma ONG francesa, chamada ACF – Action contre la Faim (Acção contra a Fome). Em praticamente todas as povoações por onde passei se encontrava já um furo feito pela ACF, juntamente com uma bomba manual, por forma a dar às populações acesso a água potável. Acho que é difícil de pesar bem o enorme impacto que uma obra como estas pode ter na saúde da população de toda uma região, e especialmente em termos de descida da mortalidade infantil... Esta é a única organização internacional que, para além da Igreja, está em Markunda. Até recentemente trabalhava lá também uma equipa holandesa de Médicos sem Fronteiras (MSF), mas decidiram há pouco tempo mudar de lugar, e ir trabalhar (ainda) mais para o interior, para uma povoação a umas duas ou três horas de carro de Markunda, por acharem que o seu trabalho aí era mais necessário. Muito boa gente e muita boa vontade se podem encontrar ainda neste mundo, graças a Deus, seja na Igreja, seja em tantas outras instituições.

Bangui – Markunda
Parti na terça-feira 22 de Fevereiro e voltei no sábado 26, estando por isso em Markounda por três dias, a conhecer um pouco do trabalho que é feito lá. A viagem, como se pode imaginar, é bastante longa: praticamente um dia inteiro (à ida, saímos ainda não eram 6h da manhã, e quando lá chegámos já passava das 6 da tarde, já de noite, portanto; o total da viagem terão sido cerca de nove horas, se não contarmos com as paragens). A distância total é de cerca de 450km, sendo que apenas 150km são em estrada asfaltada. O percurso restante é feito em terra batida, que de resto até estava em condições bastante boas. Quando começar a época das chuvas, o que acontecerá em breve, é que dificilmente se poderá já dizer o mesmo: aí, em vez de terra batida, a estradas passará a ser de lama batida (o que, com o passar dos carros, acaba por criar nas estradas buracos enormes, cuja profundidade nunca se pode saber bem qual é antes de neles pôr a roda).
Markunda fica, como disse, bem perto da fronteira com o Chade: a uns escassos dois quilómetros. Por isso aproveitei e fui ver a fronteira. Nenhum tipo de vedação ou arame farpado: em vez disso um pequeno rio, onde umas dezenas de crianças, todas contentes, tomavam banho e faziam festa naquela água fresca (já fazia bastante calor, se bem que dizem que fará ainda mais). A outra margem, para onde as crianças que tomavam banho iam e vinham sem problema algum, era já território chadiano.
Em maps.google.com, com a vista de satélite, pode-se ver um pouco o sítio onde estive inserindo as suas coordenadas. Penso que são estas: N 7.616138, E 16.959412 (pode-se distinguir a casa das irmãs, o anexo onde eu fiquei, a Igreja, a casa dos padres, os vários blocos da escola das irmãs). Um pouco mais acima encontra-se então o tal rio que faz fronteira com o Chade (e que me disseram que seca no tempo seco). No mesmo site pode também ver-se um pouco o percurso que fiz desde Bangui: passando ao lado da barragem de M’Bali e depois por Bossembélé (onde deixámos o asfalto) e por Bossangoa. Tirei algumas fotos que conto publicar aqui nos próximos dias.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

RCA - Primeiras Impressões

A Comunidade SJ
Já cheguei a Bangui, capital da República Centro-Africana (RCA), onde fui muito bem recebido. Cheguei na noite de 4 para 5 de Fevereiro fazendo o percurso Lisboa-Madrid-Casablanca-Douala-Bangui, o primeiro voo foi com a Air Europa e os outros com Royal Air Maroc/Iberia. Estou agora na comunidade dos Jesuítas, que fica na Av. des Martyrs. Esta é a única comunidade de Jesuítas em toda a RCA. É composta por um padre italiano (que é o Superior), um padre belga, um padre da RCA (mais ou menos da minha idade, e que estudou com o Lourenço Eiró e com o Filipe Martins em Roma, depois de mim, portanto), um Jesuíta em formação do Benim que está a fazer o seu magistério nesta comunidade e, agora, também por mim.

CCU – Centre Catholique Universitaire
A maior parte do trabalho do trabalho dos Jesuítas aqui parece ser desenvolvido num centro universitário que foi construído juntamente com a nossa casa, há cerca de uns dez anos atrás (edifícios bastante recentes, portanto). Curiosamente, é um centro universitário com objectivos e actividades que parecem algo semelhantes aos dos centros universitários em Portugal. O centro universitário daqui, porém, é bastante grande. Tudo isto fica bem perto da universidade, que pelo que me disseram terá cerca de 10.000 alunos.

Comunidade SJ + Centro + JRS
Espero publicar umas fotografias logo que possível. Enquanto elas não chegam, aqui vão as coordenadas do meu quarto (com o google maps, por ex., com a vista de satélite dá para ver): N 4.382244, E 18.560578 (ou N 4º22'56.08'', E 18º33'38.08''). O edifício em “L” mais pequeno é a nossa comunidade (R/C e 1º andar). O outro “L” maior é o Centro Universitário. Este último tem R/C, 1º e 2º andar. Além disso, no terreno da comunidade, existe ainda a casa do JRS, mesmo acabada de construir (e que por isso não aparece ainda nas fotos do google). No google pode-se ainda ver que, ao lado do nosso terreno, se encontra uma piscina... mas a piscina pertence a três blocos de apartamentos vizinhos nossos. E infelizmente existe um muro a separar-nos. Ai, ai estes muros que nos separam... :-) Não sei bem, mas acho que me sinto inspirado a fazer-me amigo de algum destes nossos vizinhos um dia destes...

JRS
Os escritórios do JRS são, como disse, numa casa recentemente construída no terreno da nossa comunidade. O trabalho aqui no JRS ainda não está neste momento a pleno vapor. Isto, por um lado, porque quase todos estão agora de férias durante este mês de Fevereiro. E, por outro, porque se está agora à espera da segunda volta das eleições. A RCA teve a primeira volta de eleições a 23 de Janeiro. Ganhou com mais de 60% dos votos o Presidente cessante que se recandidatou, François Bozizé. Haverá ainda uma segunda volta a 21 de Março, não já para as presidenciais, mas ainda para algumas regiões administrativas. Pelo menos por enquanto, sou o único jesuíta e único voluntário do JRS-RCA: o resto das pessoas que actualmente aqui trabalham são pessoas contratadas (da RCA ou de Países vizinhos). Depois de ter passado por várias versões, o que ficou combinado na última reunião que tive em Roma foi que o meu trabalho concreto seria de director-adjunto do JRS-RCA, direcção de recursos humanos, e ligação do JRS com a Igreja e com a Companhia de Jesus aqui. Enquanto as coisas estão ainda um pouco a arrancar, tenho aproveitado para me ambientar ao clima e à cultura, e também para praticar um pouco o francês (até já celebrei uma missa, ainda que sem homilia). Entretanto, nos princípios de Março, o Director Regional desta região do JRS (que tem a sua base nos Camarões) deverá vir aqui a Bangui para definir melhor as coisas.

Província da África Ocidental
A Província Jesuítica onde agora estou (e que inclui a RCA) é a chamada Província da África Ocidental. Em Portugal, a Província Jesuíta coincide com o País (Portugal), mas nesta Província onde agora estou não é esse o caso: é uma Província que é composta por nada menos que 14 Países africanos, todos eles de língua oficial francesa. Para visitar todas as comunidades, o Provincial tem por isso de viajar bastante (por sinal acabou agora mesmo de visitar a nossa comunidade: chegou a Bangui poucos dias depois de mim).

Bangui
A cidade onde actualmente estou, Bangui, é a capital da República Centro-Africana. É uma cidade com cerca de oitocentos mil habitantes. Pelo que me disseram, em toda a RCA não haverá mais do que uns quatro milhões de habitantes, isto apesar de a sua área ser equivalente à área da França e da Bélgica juntas. Bangui fica mesmo nas margens do rio que lhe deu o seu nome: o rio Ubangui (um dos afluentes do grande rio Congo). Logo do outro lado deste mesmo rio já se encontra um outro País: a República Democrática do Congo. Estive já a andar um pouco pela cidade. Parece ser uma cidade bastante pacata. Bom, isto sobretudo se a compararmos com uma cidade como Luanda, que era uma referência que eu tinha em mente. Mas também a dimensão de Bangui é também bem menor que Luanda, que tem mais quatro milhões de habitantes. A temperatura aqui em Bangui é mais ou menos a mesma que em Luanda (até agora a oscilar entre uns 26 e 31 graus), mas a humidade não parece ser tão elevada, o que ajuda a que a temperatura não se sinta tanto. Entretanto também me disseram que vai ficar um pouco mais quente, já que a época das chuvas está para começar.

Novo Fuso Horário
Em nossa casa, costumamos ficar sem luz a partir das 18h. Isto, ao que parece, porque a produção de electricidade não é suficiente para cobrir todas as necessidades da cidade a partir dessa hora. E então cortam a luz a alguns dos bairros. O nosso, como disse, normalmente às 18h. Isto como é natural tem também as suas implicações nos ritmos e estilos de vida: depois do jantar, não se passa nada. Faz-me lembrar um pouco quando fui Leigo para o Desenvolvimento no Uíje, em 1992-93. Pelas 22h, portanto, já está tudo deitado. E às 6h já se está a pé. No início pode parecer algo estranho, mas depois acho que acaba por ser um estilo de vida mais saudável (“deitar cedo e cedo erguer...”). Também devido ao maior calor, o trabalho aqui também costuma começar (e acabar) mais cedo. Depois de quatro anos num centro universitário, onde os horários não eram exactamente estes, o meu relógio biológico está agora a adaptar-se a estas mudanças no seu fuso horário.