sábado, 22 de outubro de 2011

JC-HEM (Jesuit Commons - Higher Education at the Margins)

Apresento hoje a tradução de um artigo publicado por Petra Dankova e Clotilde Giner no número 38 da Forced Migration Review (Revista de Migrações Forçadas) de Outubro de 2011.

O artigo é uma boa descrição de um dos principais projectos em que estou agora envolvido em Kakuma. 

A Petra Dankova foi a minha antecessora no lugar que agora ocupo, tendo sido até Julho de 2011 a Assistant Project Director do JRS e coordenadora do programa JC-HEM no campo de Kakuma, no Quénia.

A Clotilde Giner é a Project Director do JRS e coordenadora do programa JC-HEM no campo de Dzaleka, no Malawi.


Tecnologia posta ao serviço de refugiados
que vivem em situações de isolamento.
  
por Petra Dankova e Clotilde Giner

A ausência de oportunidades de educação para refugiados, muitos dos quais têm de deixar as suas terras antes de poderem completar a sua formação, é hoje um problema amplamente reconhecido.

Tirando partido das novas tecnologias da informação e da evolução do acesso à Internet no continente africano, a iniciativa do Serviço Jesuíta aos Refugiados  Jesuit Commons – Higher Education at the Margins (JC-HEM) lançou em 2010 um programa piloto de educação de nível superior para refugiados, ligando professores universitários dos Estados Unidos com estudantes em campos de refugiados em Kakuma no Quénia e em Dzaleka no Malawi(1). O programa JC-HEM permite aos refugiados a possibilidade de obterem no final um diploma em Artes Liberais (Diploma in Liberal Studies). O ensino é administrado em língua inglesa, através da internet.

Em cada ano inscrevem-se cerca de 30 estudantes em cada um destes cursos online. O princípio é simples: equipas voluntárias de professores nos Estados Unidos dão formação aos estudantes, disponibilizando ajuda online para os estudos e classificando com notas os trabalhos e as provas prestadas pelos estudantes. O sistema americano de créditos permite contornar o problema do ‘permanentemente temporário’ enfrentado pelos refugiados nas suas vidas. Cada uma das cadeiras de oito semanas corresponde a créditos que poderão depois ser transferidos para outras universidades.


A Tecnologia

Cada um dos locais de ensino está equipado com uma sala de computadores com ligação à internet, assistidos por um responsável de IT local (que pertence à equipa) e um refugiado assistente de IT. Conseguir fazer que tudo funcione bem, sem cortes de energia devidos a problemas técnicos ou rupturas é um desafio diário. A aquisição inicial de equipamento informático tem também de incluir material suplementar de reserva, para ajudar a lidar com esta realidade.

Em Kakuma existe uma ligação regular à internet, fornecida através de um sistema WiMAX(2) por um fornecedor queniano local; esta opção revela-se mais barata do que a ligação por satélite, a qual era anteriormente a única ligação disponível em lugares remotos como este. O campo de refugiados de Kakuma está localizado numa área semi-desértica no noroeste do Quénia, a aproximadamente 95 Km sul da fronteira com o Sudão. As temperaturas oscilam entre os 30 e os 40 graus Celsius e as tempestades de areia são comuns. Para poder proteger o equipamento, as salas de computadores precisam de dispor de janelas de vidro (algo não muito comum no contexto local) e também de ar condicionado, por forma a manter uma temperatura moderada na sala de computadores e na sala do servidor.

Em Dzaleka foi instalado um sistema de painéis solares que proporciona um fornecimento constante e renovável de energia. Infelizmente, porém, este sistema foi danificado por uma sobrecarga de tensão. Não dispondo localmente de peritos em energia solar, o material danificado teve de ser enviado para a África do Sul, para ser reparado, e o programa ficou sem uma fonte regular de energia durante mais de dois meses.

Organizações eventualmente interessadas em montar um programa semelhante não devem ignorar o investimento inicial que é preciso fazer para se poder lançar uma iniciativa de ensino através da internet. Computadores modernos e edifícios seguros, um fornecimento estável de electricidade e uma ligação rápida à internet são requisitos essenciais, sendo também necessária dispor de especialistas técnicos no terreno.

“Isto lembra-me sempre de que eu ainda estou no campo, onde as coisas não podem mudar de um dia para o outro”. Maurice, estudante de 35 anos da R.D. Congo, em Dzaleka.

Em Dzaleka, um pequeno internet-café com 12 computadores é o único local onde, supostamente, são  satisfeitas as necessidades de ligação à internet de mais de 14.000 refugiados. Alguns deles têm a sorte de ter um telemóvel com acesso à internet. Utilizar um telemóvel é, porém, muito caro. E, por outro lado, a rede também é lenta e muitas vezes não está disponível.

“A falta de acesso à internet deixou os refugiados encerrados na era do neolítico, enquanto o resto do mundo vive na era da internet”. Paul, estudante de 45 anos do Ruanda, em Dzaleka.

As leituras requeridas, bem como as lições gravadas em vídeo, são descarregadas num servidor local, nas horas em que a internet tem menor uso, sobretudo à noite. Os estudantes podem também fazer pesquisas na internet ou utilizar a biblioteca online da Universidade de Regis nos Estados Unidos, e comunicar com os seus professores. Por não haver horários de aulas, e por se poder aceder a materiais escolares sempre que for preciso, os estudantes têm uma maior flexibilidade e estão assim mais aptos para conseguir compatibilizar as suas responsabilidade académicas com trabalho voluntário no campo, com os seus deveres familiares e com o esforço – tantas vezes esgotante – que o dia-a-dia da vida de um campo de refugiados requer.


O Ensino

Antes de se ter inscrito no curso online, a maioria dos estudantes do programa tinha raramente usado computadores ou internet. Apesar de no início do programa ser oferecido um ‘bridge course’, concebido para oferecer aos estudantes conhecimentos básicos no uso de computadores, bem como aperfeiçoar o seu inglês e as suas capacidades académicas de escrita, a aprendizagem dos estudantes ao longo do curso foi bastante intensa. Os estudantes tiveram de se familiarizar com interfaces online; as suas dificuldades evidenciaram a necessidade de terem um tutor que os possa apoiar no local. As experiências até agora têm mostrado a importância de se procurar desenvolver boas capacidades no uso dos computadores, antes de se lançar na aprendizagem de alguma outra matéria.

“Ao princípio tive dificuldade em utilizar [estes programas]. Não sabia onde é que podia encontrar os comentários dos professores aos meus trabalhos, onde é que podia escrever um email, ou para onde é que devia enviar o meu trabalho. Para esse tipo de coisas era preciso eu ter alguém ao meu lado para me mostrar onde é que eu tinha de clicar”. Jean-Marc, estudantes de 23 anos de idade da R.D.Congo, em Dzaleka.

Antes de terem aderido ao programa, a única experiência de ensino que os estudantes JC-HEM tinham tido tinha sido uma experiência de tipo presencial. Os estudantes recém-chegados estavam um pouco preocupados em saber se esta seria uma formação ‘a sério’ e como é que seria possível construir relações sem interacção física directa. Surpreendentemente, após os primeiros meses de ensino, as avaliações indicaram que, até agora, uma das características mais valorizadas desta experiência tem sido a capacidade de se construírem relações online, tanto com professores, como com outros estudantes.

“Estou surpreendido por sentir que conheço algumas destas pessoas da internet melhor do que os meus vizinhos na comunidade”. Yusuf, 24 anos, estudante somali em Kakuma.

Todos os estudantes elogiam os seus instrutores online por “fazerem um verdadeiro esforço para compreender as dificuldades que os estudantes possam experimentar nos seus trabalhos”. Da experiência tida com o primeiro grupo de estudantes, parece que o intercâmbio de informação, as fotografias e os vídeos são algo de importante para ajudar tanto estudantes como professores a compreender melhor o contexto uns dos outros.

Após terem sido feitas as primeiras cadeiras, tornou-se óbvio que não são apenas os estudantes que beneficiam. Alguns dos professores constataram que o facto de darem aulas a refugiados alterou o seu modo de ver alguns textos e alguns temas, e desafiou-os a adaptarem o currículo às experiências particulares e aos interesses de aprendizagem dos estudantes refugiados, cujas experiências de vida são muito diferentes das dos estudantes típicos dos Estados Unidos que se inscrevem nestes cursos online. Os professores referiram que estas experiências irão também influenciar o modo como eles ensinam os estudantes dos Estados Unidos.


Programas Futuros

Os estudantes em Dzaleka viram a sua auto-estima e os seus níveis de energia crescerem, defendendo também que “o uso da internet fez crescer o nosso estatuto no contexto dos refugiados” (Joel, 40 anos, ruandês, estudante em Dzaleka). Uma dimensão transversal a todo o programa JC-HEM é o objectivo de utilizar a formação em benefício não apenas dos estudantes mas também das suas comunidades. Tal como nos explica o Vincent, estudante congolês de 31 anos de idade em Dzaleka, “Esta formação é uma grande oportunidade para mim para poder ajudar e prestar assistência a várias pessoas de diferentes comunidades”. Os responsáveis dos programas estão neste momento a pensar em modos de permitir aos estudantes poderem contribuir também com algum retorno para a comunidade, tal como com explicações a estudantes em escolas secundárias, ou ajudando estudantes de computadores a utilizarem a internet.

Programas de educação online têm como finalidade desenvolver capacidades de refugiados que, ao serem exilados, acabaram por ser colocados nas margens. É por isso crucial fazer com que as mulheres também possam participar plenamente em iniciativas de ensino online. Apenas duas estudantes num total de trinta em Dzaleka e sete num total de trinta e cinco em Kakuma actualmente inscritas no curso de três anos em Artes Liberais são mulheres. Os responsáveis tentarão fazer com que no próximo processo de admissão o número de mulheres possa aumentar; ter mais mulheres em programas de educação superior implica que tenha de haver serviços de creches para jovens mães, bem como organizar iniciativas que ajudem a tomar consciência sobre questões relativas a mulheres.

O uso da tecnologia para levar educação superior aos campos de refugiados não é algo que possa dar solução às prolongadas situações de refugiados. Mas é um meio útil de prestar assistência aos refugiados para que, apesar de exilados, estes possam continuar a sua formação e desenvolver o seu potencial humano. 


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(1) Um programa semelhante para refugiados urbanos está a ser lançado em Aleppo, na Síria.

(2) WiMAX (Worldwide Interoperability for Microwave Access) é uma tecnologia de banda larga sem fios para acesso fixo e móvel à internet.


As citações de estudantes de Dzaleka são baseadas em textos que foram escritos por 27 estudantes do programa. Os nomes dos estudantes foram alterados.


domingo, 2 de outubro de 2011

Video sobre o JRS


Há já algum tempo que não publico aqui notícias neste blog. De facto as ocupações não têm sido poucas, durante a semana com o Arrupe Centre e aos fins de semanas com os grupos cristãos.


Hoje publico um vídeo que explica um pouco a origem e missão do JRS. É um vídeo que tinha traduzido já há uns meses atrás, mas que ainda não tinha publicado aqui neste blog.



(a imagem pode ser expandida por forma a ocupar a totalidade do écran,
carregando no botão do canto inferior direito da imagem)