segunda-feira, 30 de maio de 2011

Kakuma - As Primeiras Fotos



Daqui de cima, do monte Kalemchuch, vê-se lá ao fundo a povoação de Kakuma.
Mais à esquerda, e estendendo-se ao longo de cerca de 10km (não se vê nesta foto),
fica o Campo de Refugiados.

Ao longe, depois de ter descido, o monte não parece assim
tão alto (é a elevação que se vê por cima de mim, na foto).

Na entrada norte de Kakuma, ainda antes de cruzar o leito do rio.
À esquerda (não se vê na foto) fica a entrada do nosso “Compound”.

No sentido contrário da estrada estão indicadas as
próximas localidades mais importantes. Lokichogio,
quase na fronteira com o Sudão,
a 95km. E depois
de se atravessar a fronteira,
a 456km daqui, está a
cidade de Juba (que, em princípio
a partir de Julho,
será a capital da nova nação no Sul do Sudão).

À entrada do Compound: os logos das 9 ONGs que
trabalham neste momento
em Kakuma (há ainda
os Salesianos e as agências das Nações Unidas).
Na foto estou a apontar para o logo do JRS.

Numa das ruas do campo de refugiados, com a Ir.Margaret,
do JRS. Um pouco para minha surpresa, reparei quando aqui
cheguei que se consegue encontrar
um pouco de tudo
à venda pelas ruas do campo .

No Hotel Franco, no almoço de despedida do P.Chris, jesuíta australiano que após um ano com o JRS regressou na semana passada à Austrália ("Hotel", na terminologia destas bandas, significa Restaurante). Aqui vemos a equipa quase completa com quem trabalho no “Arrupe Education Center”.
Nos domingos, ao regressarmos da missa
- quase meio-dia e com muito calor -,
costumamos parar num café para tomar um copo.
Aqui estamos o Peter (leigo da Áustria),
o Christian (jesuíta da Alemanha) e eu.
























sábado, 14 de maio de 2011

Roberto Benigni


Após ter escrito algo sobre a vida em Kakuma, aproveito agora o dia de hoje para publicar aqui o excerto de um programa do Roberto Benigni na RAI de há uns anos atrás, e que traduzi recentemente.

A propósito de Dante e da Divina Comédia, Benigni fala sobre Nossa Senhora e também sobre as mudanças de mentalidade no que diz respeito ao lugar da mulher na sociedade.

Ainda que um ou outro detalhe daquilo que é dito possa talvez ser discutível, acho que é um vídeo interessante e que vale a pena ver. Tem uma duração de pouco mais de cinco minutos.




segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Vida em Kakuma

Kakuma I, II e III
Como disse anteriormente, o campo de Kakuma conta actualmente com cerca de 80.000 refugiados, provindos de vários Países e pertencendo também a várias religiões ou denominações religiosas. No que diz respeito aos cristãos, além dos católicos, existem também várias comunidades protestantes, para além de cristãos ortodoxos (vindos sobretudo da Etiópia). Mas há também muitos muçulmanos. Ao andar pelas ruas, encontramos sempre mulheres com a cara parcial ou totalmente coberta. E cinco vezes ao dia se ouve, um pouco por todo o campo, o apelo muçulmano à oração.
Sejam cristãos ou muçulmanos, sudaneses ou somalis, todos os refugiados, porém, têm algo em comum: razões muito fortes, ou tantas vezes até trágicas, os obrigaram a deixar o próprio País. Se assim não fosse, sem dúvida que poucos ou nenhuns estariam aqui.
Ao chegarem a Kakuma, tendo sido registados como refugiados pelo UNHCR (ou ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados) é-lhes oferecida uma ajuda inicial, em termos de materiais para a construção da própria casa, bem como alguns utensílios de cozinha. Depois disso, recebem regularmente uma certa quantidade de bens alimentares. E, ao longo de cada dia, é fornecida, rotativamente, água às várias torneiras que estão espalhadas por diferentes partes do campo.
Os refugiados continuam a chegar a Kakuma, a maior parte deles provém agora da Somália. O campo tem vindo por isso a expandir-se ao longo dos anos. Assim, ao lado do campo identificado como "Kakuma I", existe agora já um "Kakuma II" e até um "Kakuma III", numa área que se estende por um total de uns 10km (cfr. esquema do campo mais abaixo).

O "Compound"
A comunidade do JRS onde vivo fica dentro de um grande recinto de ONGs que aqui é conhecido como "Compound", no extremo sul do campo de refugiados. Este recinto era onde anteriormente o pessoal do HCR habitava e tinha os seus escritórios. Há uns anos atrás, porém, o HCR decidiu construir novas instalações do outro lado da estrada (cfr. em maps.google.com, em vista e satélite, inserindo as coordenadas: 3.70803, 34.85389), tendo deixado as instalações deste recinto disponíveis para serem alugadas pelas várias ONGs que trabalham em Kakuma.
A casa onde tenho agora o meu quarto é uma das três casas que o JRS tem no recinto, e foi construída há menos de um ano (cfr. 3.71224, 34.858246 – na altura da foto a casa ainda não tinha sido construída). É uma casa com um pequeno pátio interior e que têm quatro quartos, e onde está também a cozinha e a sala de jantar. A outra casa mesmo ao lado desta (e onde fiquei nos primeiros dias) têm 6 quartos. A terceira casa fica um pouco mais afastada, mais para a zona dos escritórios, e tem 4 quartos. Uma vez que, das três casas do JRS, a casa onde estou é a única que tem sala de jantar, todos os dias todos os outros membros da comunidade JRS vem ter a esta casa para as refeições.
Costumamos ter missa todos os dias na casa ao lado às 7h30, claro, apenas para os que querem participar (até porque nem todos na equipa do JRS são católicos). Rotativamente com os outros dois padres, presido a algumas destas missas.
No que diz respeito a energia, existe um grande gerador comum, que fornece quase ininterruptamente energia a todo este Compound (interrompe apenas duas vezes ao dia: das 13h30 às 14h30 e das 17h30 às 18h30). Quanto a electricidade estamos muito bem servidos, portanto. Imagino que o consumo de combustível para produzir esta electricidade seja bastante grande. Mas é ao mesmo tempo o único meio de ter iluminação e computadores ou internet, além de frigoríficos e arcas congeladoras a funcionar. Quanto a água dentro do recinto, ela provém de furos, também comuns, a partir dos quais são depois alimentados pequenos depósitos que foram construídos junto de cada casa.
Ainda no mesmo recinto onde estamos, trabalha ainda uma outra agência das Nações Unidas: o WFP (ou PAM – Programa Alimentar Mundial). em maps.google.com dá para ver: é um conjunto de construções com o tecto azul, não muito longe da casa onde estou.
Para além das ONGs que trabalham aqui, fora deste recinto, numa outra zona do campo mais a norte, trabalham os padres Salesianos que têm um centro de formação vocacional, dando sobretudo formação técnico-profissional a uma enorme quantidade de jovens, em áreas que depois estes poderão facilmente utilizar para as suas próprias vidas: carpintaria, canalização, informática, mecânica, etc (cfr. 3.73799, 34.83688). É um trabalho extraordinário o que os Salesianos têm aqui.


Um Calor Seco
Como já disse antes, a temperatura em Kakuma é mesmo muito elevada, com uma média durante o dia acima dos quarenta graus. Muito quente, portanto, e com um calor constante. Mas por outro lado é um calor seco – um calor com o qual lido mais facilmente (uma humidade elevada, mesmo com temperaturas mesmo mais baixas, é que é para mim algo mais difícil). À noite, de qualquer modo, costumo dormir com uma ventoinha a funcionar no quarto e com a porta e as janelas abertas (tudo com rede mosquiteira). Quanto a mosquitos não parece haver muitos, pelo menos até agora. E por isso também não parece haver muito paludismo: talvez com tanta secura não seja possível os mosquitos desenvolverem-se muito.
Por outro lado, a partir da Páscoa tivemos quase duas semanas com um tempo que todos dizem não costuma ser habitual: uma série de dias com um tempo um pouco mais fresco. Na noite noite de sexta-feira para sábado santo, e depois em alguns dias que se lhe seguiram, tivemos chuva, algumas vezes com muita força. E em pouco tempo esta terra quase desértica começou a passar de castanho para mais verde. Nesses dias, mesmo quando não chovia havia no céu mais nuvens do que o habitual, o que fez baixar um pouco a temperatura. Impressionante depois da chuva foi ver a força das águas a passar aqui mesmo junto ao campo, no leito do rio que a maior parte dos dias do ano está completamente seco. A água corria com enorme força em toda a largura do rio (que chega a algumas centenas de metros em algumas partes), e com uma forte corrente e ondas de mais de um metro de altura. Mas, como disse, disseram-me que é um tempo que não costuma ser habitual. De facto, agora a chuva parece já ter parado, e a temperatura voltou ao habitual.


O Meu Trabalho em Kakuma

O JRS tem actualmente vários projectos a funcionar em Kakuma: por exemplo um programa de bolsas de estudo para ensino primário e secundário para raparigas, às quais muitas vezes não é dada a possibilidade de estudar; um programa de bolsas para crianças com necessidades especiais; uma casa de abrigo – "safe haven" – para proteger crianças ou mulheres vítimas de violência; um programa de aconselhamento e saúde mental, etc.

O meu trabalho até agora tem sido desenvolvido num outro projecto, no "Arrupe Center of Education", em Kakuma I (cfr. 3.72151, 34.848255). É neste Centro que está a ter lugar o projecto-piloto de ensino superior à distância, que começou no início deste ano neste campo (em simultâneo com o campo de refugiados de Dzaleka, no Malawi). Trata-se de um projecto comum, entre o JRS e o Jesuit Commons, uma rede de pessoas e instituições ligadas à Companhia de Jesus e à sua missão (cfr. www.jesuitcommons.org/About-Us). Recorrendo à Internet e aos meios informáticos de que dispomos no mundo de hoje, este projecto visa dar a possibilidade a pessoas que estão em campos de refugiados de terem acesso ao ensino superior. O projecto tem por nome JC-HEM (Jesuit Commons – Higher Education at the Margins – cfr. www.jesuitcommons.org/index.asp?bid=40&nid=60&fid=200). No final do curso os estudantes aprovados receberão um diploma atribuído pela Regis University, em Denver, no Colorado (www.regis.edu), a instituição participante desta iniciativa com mais experiência na área do ensino à distância. Aqui em Kakuma, uma primeira turma de 35 alunos começou em Janeiro, e uma segunda turma deverá começar em princípio em Setembro.

Além destes cursos superiores, o Centro Arrupe está a oferecer ainda outras possibilidades de formação, através de cursos mais curtos de 15 semanas de duração, dedicados a temas específicos, e que visam potenciar o desenvolvimento das comunidades (CSLT – Community Service Learning Track).

Há ainda um outro projecto que está agora a nascer, e onde estou também envolvido. Trata-se de um Community Technology Access (CTA), patrocinado pelo UNHCR e implementado pelo JRS. Este CTA pretende dar acesso às pessoas às novas tecnologias, e em particular ao amplo mundo da Internet, com todas as possibilidades de formação e informação a que esta dá acesso, (desde cursos de formação a meios de encontrar e candidatar-se a um emprego). O edifício deste CTA está já pronto e com computadores deverão chegar a Kakuma nos próximos dias.

Todas estas obras envolvem bastante trabalho, não apenas de organização e recursos humanos, mas também a nível técnico (computadores, meios de acesso à Internet, energia). Antes de eu ter chegado a Kakuma, já se encontrava aqui um outro jesuíta há seis meses e que, tal como eu, antes de entrar na Companhia estudou engenharia. Chama-se Christian Braunigger e está aqui a fazer o seu Magistério no JRS, vindo da Alemanha. Desde que eu cheguei, a gestão técnica de todo este material – e ainda do material que está para vir e também do que está para ser encomendado – tem sido dividida entre nós os dois.

Uma das questões a resolver aqui é a da energia. Além da alimentação dos computadores e da iluminação, e uma vez que as temperaturas aqui são tão elevadas (e que a poeira é tão abundante), as salas de computadores, com dezenas de pessoas dentro a trabalhar, têm necessariamente de ter um sistema de ar condicionado a funcionar, de outro modo tornam-se impraticáveis, quer para as pessoas, quer para as máquinas. O problema com o ar condicionado é que estes aparelhos consomem uma grande quantidade de energia, a qual, claro, tem de vir de algum lado. No Centro Arrupe, esta questão tem até agora sido resolvida recorrendo a um gerador próprio, o qual tem produzido energia suficiente para todo o sistema. A longo prazo, porém, o consumo de combustível deste gerador acarreta custos que se tornam difíceis de suportar. Estamos por isso, o Christian e eu, a estudar possibilidades de fornecimento de energia através do recurso a painéis solares. Embora o investimento inicial neste tipo de solução seja bastante grande, já que a área de painéis para alimentar todo o Centro terá de ser considerável, ao fim de alguns anos, o investimento compensará (e mais ainda se o preço do combustível aumentar, ou se o seu fornecimento se tornar irregular). O mesmo problema, praticamente, se levanta também para o CTA. Para este deveremos em princípio ter logo desde o início painéis solares em número suficiente para alimentar os computadores (mas não ainda para ar condicionado).

Finalmente, aos domingos tenho celebrado missa em St.Stephen, uma das das capelas mais próximas, e onde se encontra uma comunidade com nacionalidades variadas: Congo, Uganda, Ruanda, Burundi e Sudão. As missas são celebradas em inglês, já que eu não falo a outra língua mais conhecida aqui no campo – o swahili. Uma outra capela perto de nós é a capela de Peter and Paul, onde a quase totalidade das pessoas que frequentam provém do sul do Sudão. Tanto numa como noutra a vivência da liturgia é muito animada, com cânticos e danças em todas as celebrações.



O Campo de Refugiados de Kakuma (I, II e III), numa escala de 1km.

A azul claro no mapa está indicado o leito do rio que, na quase totalidade dos dias do ano, está totalmente seco


Quase no canto inferior direito, a castanho claro, encontra-se o Compound das ONGs. Um pouco mais abaixo, do lado oposto da estrada e com a mesma cor, vê-se também ainda parte do Compound do HCR.

Em baixo, um pouco mais à direita (não aparecendo neste mapa), logo depois de cruzar o rio encontra-se a povoação de Kakuma, habitada na sua maior parte pela população originária deste local, os Turkanas.